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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ninguém me entende: a história de Elcana e Ana

Há aproximadamente três mil anos atrás (a data precisa não sabemos) viveu na região montanhosa de Efraim, não muito distante, ao norte, de Jerusalém, um casal com problemas de relacionamento. Seus nomes eram Ana e Elcana. Ana e Elcana viriam a ser os pais de Samuel, um personagem tão importante na Bíblia que seu nome dá o título de dois livros no Antigo Testamento, Primeiro Livro de Samuel e Segundo Livro de Samuel. Talvez mais importante do que dar nomes a livros, Samuel foi o profeta e líder escolhido por Deus para anunciar e ungir o Rei Davi como soberano do povo de Israel (1 Samuel 16.1-13). Mas essa é outra história. A história que está sendo analisada aqui se encontra alguns capítulos antes, em 1 Samuel 1.1-8.
Ana e Elcana tinham um grande problema diante de si: Ana não podia ter filhos. Embora fosse um grande desejo de seu coração ser mãe, a Bíblia nos conta que “O SENHOR lhe havia cerrado a madre” (v. 6), ou, em outras palavras, “o SENHOR a [havia] deixado estéril” (v. 5). O desejo de Ana por filhos era tão grande que a falta deles a levava a chorar e a perder o apetite (v. 7). Elcana por sua vez não foi capaz de compreender a angústia porque passava sua esposa. Vendo-a chorar, Elcana disse simplesmente “Ana, por que choras? E por que não comes? E por que estás tão triste? Não te sou eu melhor do que dez filhos?” (v. 8).
Imagino duas situações possíveis: na primeira, Elcana estava tão desligado das necessidades de sua esposa que realmente não era capaz de compreender o porque de sua tristeza. Diante de seus questionamentos, sua esposa lhe diz “estou triste porque não tenho filhos”, ao que Elcana responde com a frase “ora, e pra que você quer filhos? ‘Não te sou eu melhor do que dez filhos?’” Uma segunda possibilidade: embora soubesse o que sua esposa estava passando, Elcana não deixou de dizer “que bobeira essa seu desejo por filhos, mulher! ‘Não te sou eu melhor do que dez filhos?’”.
Não. Elcana não era melhor do que dez filhos. Nada a ver com Ana amá-lo ou não, mas isso não substituía aquele anseio profundo de sua esposa. A Bíblia nos ensina em numerosas passagens que nos tempos e na cultura do Antigo Testamento os filhos é que davam valor às mulheres. Mulheres com muitos filhos eram vistas como boas esposas e como abençoadas por Deus. Mulheres sem filhos eram vistas como más esposas e como amaldiçoadas por Deus (Gênesis 29.31 a 30.26). Ana tinha ainda de enfrentar a triste situação de que Elcana tinha uma segunda esposa, Penina, essa sim com filhos (aparentemente muitos, vs. 2 e 4), e ainda por cima intriguenta e maldosa com Ana (vs. 6 e 7). Acredito que mesmo transportando a situação de Ana para os tempos atuais e retirando Penina da história (a poligamia nunca foi aprovada por Deus, em tempo algum, mesmo no Antigo Testamento) sua situação não seria melhor. Ter filhos poderia ser o desejo de sua alma, independente dos valores da cultura que a rodeava. Em nossos dias, e no contexto em que vivemos, a cultura não valoriza os filhos da mesma forma que antes, mas isso não muda o desejo de muitas pessoas por tê-los.
Ana, portanto, queria filhos e Elcana, por sua vez, se mostrou insensível a isso.
O que se pode tirar dessa passagem?
Talvez até mais do que filhos, Ana precisava de outra coisa: de um marido que a amasse e compreendesse (Colossenses 3.19 e Efésios 5.25-33). Não sou mulher e nem sou Ana, mas suponho que essa era uma necessidade muito grande de sua alma, assim como acredito que seja de todas as mulheres, ou mesmo de todas as pessoas hoje: se sentir compreendido. Elcana poderia (ou até deveria) ter agido de outra forma. Poderia ter orado com Ana, poderia tê-la ouvido. Poderia se fazer sensível ao sofrimento de sua esposa. Infelizmente ele não agiu assim, e então Ana foi sozinha ao Templo orar ao Senhor para que suas angústias fossem satisfeitas (vs. 9-18). O que um marido de hoje faria? Talvez se divorciasse de sua esposa por ela não lhe dar algo que ele queria. “Quando eu casei pensava que minha esposa me daria mais amor. Ela não está dando! Só pensa em ter filhos! Vou me divorciar”. Ou ainda: “essa minha esposa só reclama! Eu querendo ficar numa boa com ela e ela só com esse papo chato de que queria ter filhos! Não agüento gente triste e reclamona! Quero gente feliz, pra cima! Vou me divorciar!” Os casais deveriam orar juntos, ainda mais por filhos, algo que não poderá ser somente de um deles, mas dos dois. E também por aquelas coisas que parecem ser mais específicas somente de um membro do casal, mas que passam a ser compartilhadas quando os dois unem seus caminhos.
Ana, por sua vez, precisava ser paciente. É até difícil dizer isso, mas ela precisava ser compreensiva com seu marido incompreensivo (Colossenses 3.18 e Efésios 5.22-24 e 33). Elcana amava Ana. A amava tanto que, embora ela não tivesse lhe dado filhos, lhe dava porção dobrada nos sacrifícios (v. 5). Obviamente Elcana não era melhor para Ana do que dez filhos (nada de errado nisso), mas para Elcana, Ana era o alvo de seu amor, independente de filhos. Tanto quanto para Ana era motivo de tristeza não ter filhos, seria motivo de tristeza para Elcana que sua esposa não lhe desse filhos. Fazendo uma avaliação cultural (não sou especialista), acredito que Elcana não seria mal visto por rejeitar sua esposa por ela não ter lhe dado filhos. Muito menos por dar uma porção menor nos sacrifícios, ao invés de porção dupla (talvez as pessoas em redor achassem que Elcana era louco por fazer isso). Mas em toda sua incompreensão sobre o assunto filhos, Elcana a amava. O que uma esposa de hoje faria? Talvez se divorciasse de seu marido por ele não lhe dar algo que ela queria. “A culpa é dele por eu não ter filhos! Vai ver que o estéril é ele, não eu! Vou arrumar um marido que me dê filhos!”. Ou ainda: “esse homem não me entende! Vou procurar alguém que entenda!”.
Talvez ser amado realmente não seja o bastante para muitas pessoas hoje. Queremos alguém que nos compreenda. Nada de errado nesse sentimento, mas é necessário estar aberto a não ter todas as suas necessidades contempladas, mesmo uma tão profunda quanto aquela que Ana tinha, e ser compreensivo com as dificuldades alheias. Elcana com certeza não fazia por mal. O caso é que a psicologia feminina ainda não havia sido inventada! Brincadeiras à parte, Elcana queria compreender sua esposa, o fato de ter pisado na bola não o torna um marido ruim. Apenas imperfeito. Saber e compreender que somos todos imperfeitos (não só os outros), que da mesma maneira que não somos compreendidos muitas vezes também não compreendemos é algo necessário de se aprender e aceitar.
Infelizmente nunca seremos plenamente compreendidos pelas outras pessoas... Elcana não foi o único a não entender Ana. Eli, o sacerdote, foi incompreensivo ao ponto de pensar que Ana estava bêbada ao invés de orando (vs. 12-14)! ...para sermos compreendidos devemos estar dispostos a dialogar, como fez Ana com Eli (vs. 15-18). Em outras palavras, precisamos nos abrir. O sentimento de incompreensão pode levar à atitude errada de nos fecharmos no pensamento egoísta e até auto-destrutivo de que “ninguém me entende”. Devemos lembrar também que muitas vezes não compreendemos nosso próprio comportamento (Romanos 7.13-25, especialmente 15 e 24), e que somente Deus sabe realmente o que está em nosso coração (Salmo 139 e 1 Coríntios 13.12 “conhecerei como também sou conhecido”).
Vivamos assim, portanto, sabedores de que há um Deus que nos entende, que sabe das mais profundas angústias de nosso coração (Jeremias 29.11). Que esse Deus compreendeu a nossa mais profunda necessidade, a de estarmos ligados a Ele, e assim enviou seu filho para morrer na cruz e ressuscitar ao terceiro dia, e assim nos salvar, quando não éramos merecedores de nada, muito menos desse grande amor. E lembrando também que esse é o exemplo de amor com que devemos amar uns aos outros, procurando nos entender mutuamente e ser amorosos com as falhas uns dos outros, como Deus também nos entendeu e amou.

“Acaso andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Amós 3.3)

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